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sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

A nossa expulsão - Florentino de carvalho(1919) e Conto Extraordinário - Gigi Damiani (1904) - Livreto artesanal

Contos Extraordinário (Gigi Damiani)

Falava o espírito pela boca do médium: - Quantas milhas fiz eu correndo sempre... com aquele pesado saco de moedas ao ombro? Quantas?
     Não me lembro, não sei. Vi por duas vezes o sol descer atrás dos montes – disto lembro perfeitamente – por duas noites ouvi risadas sinistras dos chacais nas florestas. Mais eu temia as feras... Porque era meu... e muito meu... de legitima propriedade... Com as armas na mão, tinha-o conquistado... arriscando a minha vida.
     Ao romper da aurora do terceiro dia, porém, cai exausto, sem forças e quase morto de fome... de sede – oh! A sede! – de cansaço. Mas o saco das moedas de ouro tinha-o sempre bem apertado contra o peito, e nenhuma destas, tenho plena certeza, tinha caído.
     Um homem passa a dois metros de onde eu estava sentado, um homem estranho, sem idade, magro, com crânio à guisa de torre e só vestia uma túnica...
     Talvez um escravo, talvez um sábio, talvez um louco, um forçado.
     Chamo-o – ele se aproxima – e, quando está bem pertinho de mim, pergunto-lhe:
     - Onde é que há por aqui um hotel?
     Respondeu-me:
     - Aqui não há hotéis.
     - Não importa: veja alguém que me queira arranjar um pedaço de pão e uma vasilha com água... pagarei bem... tenho dinheiro... muito dinheiro...
     -Dinheiro? Mas o que é o dinheiro?
     ...Teria eu porventura penetrado em um país selvagem?  Teria, quem sabe, saído para fora da humanidade racionável? Em que planeta teria eu sido atraído? Zombava de mim aquele homem?
     Não obstante isso, desatei o saco, tirei um punhado de moedas de ouro – oh! Como resplandeciam aos primeiros raios de sol... oh! As lindas moedas! – e lhas mostrei, fazendo-as tinir...
     Assim mesmo o homem não compreendeu... olhou de um modo curioso aquele cintilar, sem comover-se, sem demonstrar o mínimo desejo de possuir um pouco de precioso metal, e repetiu tranquilamente:
     - O que é o dinheiro?
     Reuni as poucas forças que me restavam, levantei-me e: pulsora da vida, o eixo da ordem social? O único meio pelo qual chega a felicidade? Vés com o dinheiro, com este – porque é dinheiro, bom, dinheiro legítimo – se abrem canais, se unem os mundos, se partem as montanhas, se chega á gloria, se conquistam nações, se fundam indústrias – se compra o amor... se vence, se goza, se vive...
     - Com esse?
     - Sim, idiota... Com esse... Não tendes então aqui no vosso país, se é aqui há um país, nem comércios, nem artes, nem indústrias? Do que é proveniente o vosso bem estar?
     - Do trabalho!
     - Pois é, do trabalho... quem é pobre trabalha, mais, quem tem desse, não trabalha mais... faz os outros trabalharem... Quem tem desse e bastante, como eu, não tem necessidade de nada... é o patrão... são os outros que necessitam dele: os pobres! Quem desse, repito, tem tudo, também o impossível.
     Então aquele homem disse:
     - Pois bem... já que tu necessitas de nada... nem de mim... que és o patrão... que tens o ouro... retiro-me, adeus!
     - Mas estou com fome, gritei, tenho sede!...
     - Come o teu ouro, bebe o teu ouro...
     E voltou-me as costas.






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