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sábado, 30 de dezembro de 2017

A legalização do aborto é uma questão de saúde pública no Brasil

Cerca de 5 milhões de mulheres já declaram ter realizado aborto no Brasil, ou seja, uma em cada sete mulheres. Hoje são executados mundialmente 20 milhões de abortos, desses, 97% são feitos em países pobres ou em desenvolvimento, onde a prática abortiva é criminalizada. Isso leva a uma simples conclusão: o aborto existe, e os estudos históricos comprovam que essa prática, apesar de clandestina sempre marcou a vida das mulheres por ser a única alternativa frente a uma gravidez indesejada. Mulheres em condições financeiras privilegiadas optam pela interrupção da gravidez por meio de clínicas particulares que dispõem de profissionais preparados e procedimento seguro. Já as mulheres da classe trabalhadora, em sua maioria negras, são vitimas do sistema capitalista e de um estado que se declara laico, mas que destinam como única alternativa a adesão de procedimentos inseguros que colocam em cheque sua saúde e vida. O aborto clandestino é responsável por 602 internações diárias causadas por infecção, 25% de casos de esterilidade e 9% de óbitos maternos, o que corresponde a terceira maior causa de morte materna, no país. Não obstante, as que sobrevivem, correm o risco de serem presas, posto que a prática é um crime, segundo o código penal brasileiro (de 1940). Outro dado estatístico que deve ser pontuado é que uma em cada cinco mulheres com a faixa etária de 40 anos já provocou o interrompimento da gravidez. Isso revela que mais de 5 milhões de mulheres entre 18 e 39 anos já abortaram. A maioria delas abortam com métodos inseguros e acabam finalizando o aborto nos hospitais públicos. Portanto, o aborto é uma questão de saúde pública no Brasil e de direitos fundamentais das mulheres. A discussão sobre o aborto no Brasil tem sido pautada pelo poder público brasileiro como moeda de troca para angariar votos, em particular das comunidades evangélicas e católicas, haja vista como o tema foi tratado nas últimas eleições presidenciais. Isso revelou que o Estado brasileiro não discute o aborto e a saúde da mulher, mas a possibilidade das plataformas religiosas regularem ou não a reprodução das mulheres. Um claro indicativo da força das religiões cristãs no espaço público, o que revela a fragilidade do Estado diante do poder das religiões, salientando que o Brasil é um país constitucionalmente laico. A opinião individual sobre a questão do aborto não pode e não deve ser colocada em questão. O que deve ser levado para a discussão é como o Estado pensa em cuidar desses milhões de mulheres que chegam aos hospitais públicos para finalizar um aborto e quais políticas a serem adotadas para amparar as mulheres que não desejam levar uma gravidez até o fim, uma vez que é um mito dizer que a mulher nasceu para ser mãe, trata-se de uma construção histórico-cultural.

Morgana Damásio
Rose Cerqueira





sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Movimento passe Livre - Não começou em Salvador, não vai terminar em São Paulo

Como um fantasma que ronda as cidades deixando marcas vivas no espaço e na memória, as revoltas
populares em torno do transporte coletivo assaltam a história das metrópoles brasileiras desde sua formação.
Os bondes virados, os trens apedrejados, os ônibus incendiados, os catracaços [2], os muros “pixados” com as vozes das ruas, as barricadas erguidas contra os sucessivos aumentos das passagens são expressão da digna raiva contra um sistema completamente entregue à lógica da mercadoria. Num processo em que a população é sempre objeto em vez de sujeito, o transporte é ordenado de cima, segundo os imperativos da circulação do valor. Dessa forma, a população é excluída da organização de sua própria experiência cotidiana da metrópole, organização essa que se realiza principalmente pelo sistema de transporte, o qual restringe a mobilidade ao ir e vir do trabalho e coloca catracas em todos os caminhos da cidade. E, no momento que se fortalecem as catracas, as contradições do sistema tornam-se mais evidentes, suscitando processos de resistência. É em meio a essa experiência concreta da luta contra a exclusão
urbana que se forjou o Movimento Passe Livre.
As revoltas de junho de 2013, desencadeadas pela luta organizada pelo MPL-SP contra o aumento das
tarifas, não são algo inteiramente novo. Para começar a compreender esse processo é preciso que voltemos a, no mínimo, 2003, quando, em resposta ao aumento das passagens, iniciou-se em Salvador uma série de
manifestações que se estenderam por todo o mês de agosto daquele ano, que ficou conhecida como a Revolta do Buzu[3]. É impossível calcular precisamente quantas pessoas participaram desses protestos, mas as estimativas giram em torno de 40 mil, e pode-se dizer que qualquer pessoa que tenha entre 24 e 34 anos hoje em dia e que morava na capital baiana participou da revolta. Durante as aulas, estudantes secundaristas pulavam os muros das escolas para bloquear ruas em diversos bairros, num processo descentralizado, organizado a partir de assembleias realizadas nos próprios bloqueios. A indignação popular represada no interior do transporte coletivo fomentou uma dinâmica de luta massiva que escapava a qualquer forma previamente estabelecida. A Revolta do Buzu exigia na prática, nas ruas, um afastamento dos modelos hierarquizados; expunha outra maneira, ainda que embrionária, de organização.
Ao fugir de qualquer receituário pronto, a revolta deixava em aberto o sentido das mobilizações, tanto no
que se refere à organização do transporte quanto à do próprio movimento. Com isso, entidades estudantis
aparelhadas por grupos partidários se colocaram como lideranças e passaram a negociar com o poder público em nome dos manifestantes. Após barganhar meias concessões com os governantes, sem atingir a revogação do aumento, utilizaram-se de todos os meios possíveis para desmobilizar a população.
A partir dos relatos publicados no Centro de Mídia Independente[4] e do documentário Revolta do Buzu, de Carlos Pronzato[5 ], a experiência da ação direta da população por meio de assembleias horizontais, o
aparelhamento da revolta pelas entidades estudantis e a explosividade da luta pelo transporte público ganharam certa projeção nacional. O filme passou a ser utilizado em várias cidades por comitês pelo passe livre estudantil – que já se organizavam localmente em torno de projetos de lei – em atividades em escolas, ampliando o debate sobre a questão do transporte e as formas de organização alternativas ligadas a ela. Os mesmos estudantes que assistiram àquelas imagens e as debateram pulariam os muros de suas escolas pouco tempo depois, para se juntar às manifestações da Revolta da Catraca, em Florianópolis, em 2004[6]. Ocupando terminais e bloqueando a ponte que dá acesso à ilha, os protestos forçaram o poder público a revogar o aumento e serviram de base para a fundação do MPL no ano seguinte.
A perspectiva aberta por esse curto processo de lutas que alcançou a vitória na capital catarinense deu origem ao movimento: uma tentativa de formular o sentido presente naquelas revoltas, a experiência acumulada pelo processo popular, tanto em sua forma como em suas motivações. Surge então um movimento social de transportes autônomo, horizontal e apartidário, cujos coletivos locais, federados, não se submetem a qualquer organização central. Sua política é deliberada de baixo, por todos, em espaços que não possuem dirigentes, nem respondem a qualquer instância externa superior.
Ao mesmo tempo que ultrapassava as formas de organização já estabelecidas, o teor explosivo das
mobilizações apontava para as contradições que o produziam, imbricadas no sistema de transporte coletivo,
ponto nodal na estrutura social urbana. O acesso do trabalhador à riqueza do espaço urbano, que é produto
de seu próprio trabalho, está invariavelmente condicionado ao uso do transporte coletivo. As catracas
do transporte são uma barreira física que discrimina, segundo o critério da concentração de renda, aqueles que podem circular pela cidade daqueles condenados à exclusão urbana. Para a maior parte da população
explorada nos ônibus, o dinheiro para a condução não é suficiente para pagar mais do que as viagens entre a
casa, na periferia, e o trabalho, no centro: a circulação do trabalhador é limitada, portanto, à sua condição de mercadoria, de força de trabalho.
A luta de reapropriação do espaço urbano produzido pelos trabalhadores supera, na prática, a bandeira do
MPL em seus primeiros anos, que era o passe livre estudantil. Quando as tarifas aumentam, evidenciam-se
contradições que afetam a todos, não somente os estudantes, e então deixa de fazer sentido ter em vista
apenas um recorte da população. A luta por transporte tem a dimensão da cidade e não desta ou daquela
categoria. Cada vez mais debatida internamente, a ideia do passe livre para todos ganhou sustentação após o movimento revisitar o projeto Tarifa Zero, formulado pela prefeitura de São Paulo no início da década de 1990. O salto de compreensão sobre o sistema que tal análise trouxe ao MPL terminou por desfazer o véu de argumentos técnicos que escondia os conflitos sociais e econômicos por trás da gestão do transporte. Daí em diante, assumiu-se o discurso do transporte como direito, aliás fundamental para a efetivação de outros direitos, na medida em que garante o acesso aos demais serviços públicos. O transporte é entendido então como uma questão transversal a diversas outras pautas urbanas.
Tal constatação amplia o trabalho do MPL, que deixa de se limitar às escolas, para adentrar em bairros,
comunidades e ocupações, numa estratégia de aliança com outros movimentos sociais – de moradia, cultura e saúde, entre outros.
Se a retomada do espaço urbano aparece como objetivo dos protestos contra a tarifa, também se realiza
como método, na prática dos manifestantes, que ocupam as ruas determinando diretamente seus fluxos e usos. A cidade é usada como arma para sua própria retomada: sabendo que o bloqueio de um mero cruzamento compromete toda a circulação, a população lança contra si mesma o sistema de transporte caótico das metrópoles, que prioriza o transporte individual e as deixa à beira de
um colapso. Nesse processo, as pessoas assumem coletivamente as rédeas da organização de seu próprio
cotidiano. É assim, na ação direta da população sobre sua vida – e não a portas fechadas, nos conselhos
municipais engenhosamente instituídos pelas prefeituras ou em qualquer uma das outras artimanhas
institucionais –, que se dá a verdadeira gestão popular.
Foi precisamente isso que aconteceu em São Paulo quando, em junho de 2013, o povo, tomando as ruas,
trouxe para si a gestão da política tarifária do município e revogou o decreto do prefeito que aumentava a passagem em vinte centavos.
Não foi diferente do que ocorrera em Florianópolis na vitória que se sucedeu à luta de Salvador, e no ano
seguinte, quando a cidade barrou o aumento mais uma vez. A mesma experiência, em que a população se
apodera de forma parcial mas direta da organização do transporte – e, com ela, de uma dimensão fundamental da vida urbana – se repetiu nas revoltas de Vitória (2006), Teresina (2011), Aracaju e Natal (2012) e Porto Alegre e Goiânia (início de 2013). E se repete nas periferias sempre que pneus e ônibus queimados revertem o corte de linhas das quais dependem os moradores. É também esse o gesto cotidiano (limitado apenas pelo alcance das ações individuais) de quem não paga a tarifa – pulando a catraca, passando por baixo, entrando pela porta traseira ou descendo pela frente – e implementa assim, na prática, a tarifa zero. Em 2012, os usuários foram ainda mais longe, quando, revoltados com as panes nos trens, arrancaram as catracas, incendiaram a bilheteria e destruíram as câmeras de segurança da estação Francisco Morato da CPTM, viajando de graça até a conclusão dos reparos, no dia seguinte[7]. Tomando as ruas, as Jornadas de Junho de 2013 rasgaram toda e qualquer perspectiva técnica acerca das tarifas e da gestão dos transportes que procurasse restringir seu entendimento aos especialistas e sua “racionalidade”, a serviço dos de cima. Ao reverter o aumento das passagens em mais de cem cidades do país, as pessoas deslocaram momentaneamente – e com impactos duradouros – o controle político da gestão do transporte. Forjou-se, no calor das barricadas, uma experiência de apoderamento que não se resume à ocupação física das cidades, mas estende-se à maneira como se organizam os transportes no país. É essa tomada
de poder que assusta os gestores estatais e privados, que tentam agora reocupar o espaço que perderam para os trabalhadores urbanos.
As mobilizações sempre foram muito mais amplas que o Movimento Passe Livre – que jamais se pretendeu dono de qualquer uma delas – e eclodiram, por vezes, em cidades e regiões onde nunca houve atividades do movimento. As lutas por transporte no Brasil formam um todo muito maior do que o MPL. Contudo, a tomada direta e descentralizada das ruas, a radicalidade das ações e a centralidade dos aumentos tarifários dá a tônica dessas lutas. Após as Jornadas de Junho, milhares continuam nas ruas em diversas cidades, defendendo agora a implementação da tarifa zero.
A organização descentralizada da luta é um ensaio para uma outra organização do transporte, da cidade e
de toda a sociedade. Vivenciou-se, nos mais variados cantos do país, a prática concreta da gestão popular. Em São Paulo, as manifestações que explodiram de norte a sul, leste a oeste, superaram qualquer possibilidade de controle, ao mesmo tempo que transformaram a cidade como um todo em um caldeirão de experiências sociais autônomas. A ação direta dos trabalhadores sobre o espaço urbano, o transporte, o cotidiano da cidade e de sua própria vida não pode ser apenas uma meta distante a ser atingida, mas uma construção diária nas atividades e mobilizações, nos debates e discussões. O caminho se confunde com esse próprio caminhar, que não começou 
em Salvador, e não vai terminar em São Paulo.




quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Travessias e outros domínios - Poezine

Aqui um livro de poesias eskritas numa atmosfera tensa, sob um ar pesado, em kantos que predominavam a konfusão, em climas sekos, debaixo do sol niilista, com toda hostilidade y deskrença ke deposito nxs humanxs, sem nenhuma finalidade como toda forma de vida ke até aki encontrei, uma série de pequenas tragédias dedicadas a fatalidade, nesse kontinuo amanhecer-y-entardecer ke esmaga nossos ossos, poesias revestidas de desdém; mas ke você possa enkontrar nos espaços vazios entre um verso y outro o sentimento de autonomia sobre nossas próprias vidas y destinos, de amor livre, de luta y resistência a essas formas autoritárias y impostas de ver y sentir.


* poezine tamanho 1/2 A4, 36 paginas... um dos "melhores" zines que li recente, poesias/poemas dilacerantes, desabafo existencialista de expressividade odiosa, colagens simples em um fundo preto que representa bem um vazio/nihil, que "contrasta" com a escrita visceral... 

Disponível para trocas, de quem faz pra quem faz!!
Faça tu mesmx ou morra!!!

sábado, 9 de dezembro de 2017

Murray bookchin - Ecologia e pensamento revolucionario - Livreto artesanal

   Uma das características da Ecologia é a de não estar perfeitamente contida no nome - cunhado por Haeckel, em 1866, para indicar a "investigação da totalidade das relações do animal tanto com seu ambiente inorgânico como orgânico". No entanto, concebida de maneira ampla, a Ecologia lida com o equilíbrio da natureza. Visto que a natureza inclui o homem, esta ciência tratada harmonização da natureza e do homem. Esta abordagem, mantida em todas as suas implicações, conduz às áreas do pensamento social anarquista. 
   Em última análise, é impossível conseguir a harmonização do homem com a natureza sem criar uma comunidade que viva em equilíbrio permanente com o seu meio ambiente. 
   As questões com que a Ecologia lida são permanentes: não se pode ignorá-las sem pôr em risco a sobrevivência do homem e do próprio planeta. No entanto, hoje, a ação humana altera virtualmente todos os ciclos básicos da natureza e ameaça solapar a estabilidade ambiental em todo o mundo.
As sociedades modernas, como as dos Estados Unidos e Europa, organizam-se em torno de imensos cinturões urbanos, de uma agricultura alta mente industrializada e controlando tudo, um inchado, burocratizado e anônimo aparelho de estado. Se colocarmos todas as considerações de ordem moral de lado e examinarmos a estrutura física desta sociedade, o que nos impressionará são os incríveis problemas logísticos que ela deve resolver: transporte, densidade, suprimentos, organização política e econômica e outros. 
   O peso que tal tipo de sociedade urbanizada e centralizada acarreta sobre qualquer área oriental é enorme. A noção de que o homem deve dominar a natureza vem diretamente da dominação do homem pelo homem. Esta tendência, antiga de séculos, encontra seu mais exacerbado desenvolvimento no capitalismo moderno. 
   Assim como os homens, todos os aspectos da natureza são convertidos em bens, um recurso para ser manufaturado e negociado desenfreadamente. Do ponto de vista de Ecologia, o homem está hiper simplificando perigosamente o seu ambiente. O processo de simplificação do ambiente, levando ao aumento do seu caráter elementar - sintético sobre o natural, inorgânico sobre o orgânico- tem tanto uma dimensão física quanto cultural. 
   A necessidade de manipular imensas populações urbanas, densamente concentradas, leva a um declínio nos padrões cívicos e sociais. Uma concepção massificadora das relações humanas tende a se impor sobre os conceitos mais individualizados do passado. 
   A mesma simplificação ocorre na agricultura moderna. O cultivo deve permitir um alto grau de mecanização - não para reduzir o trabalho estafante mas para aumentar a produtividade e maximizar os investimentos. O crescimento das plantas é controlado como em uma fábrica: preparo do solo, plantio e colheitas manipulados em escala maciça, muitas vezes inadequados à ecologia local. Grandes áreas são cultivadas com uma única espécie - uma forma de agricultura que facilita não só a mecanização mas também a infestação das pragas. Por fim, os agentes químicos são usados para eliminar as pragas e doenças das plantas, maximizando a exploração do solo. 
   Este processo de simplificação continua na divisão regional do trabalho. Os complexos ecossistemas regionais de um continente são submersos pela organização de nações inteiras em entidades economicamente especializadas(fornecedoras de matéria-prima, zonas industriais, centros de comércio). 
   O homem está desfazendo o trabalho orgânico da evolução. Substituindo as relações ecológicas complexas, das quais todas as formas avançadas de vida dependem, por relações mais elementares, o homem está restaurando a biosfera a um estágio que só é capaz de manter formas simples de vida, e incapaz de manter o próprio homem. 
   Até recentemente, as tentativas de resolver contradições criadas pela urbanização, centralização, crescimento burocrático e estatização eram vistas como contrárias ao progresso e até reacionárias. O anarquista era olhado como um visionário cheio de nostalgia de uma aldeia camponesa ou de uma comuna medieval. O desenvolvimento histórico, no entanto, tornou virtualmente sem sentido todas as objeções ao pensamento anarquista nos dias de hoje.  Os conceitos anarquistas de uma comunidade equilibrada, de uma democracia direta e interpessoal, de uma tecnologia humanística e de uma sociedade descentralizada não são apenas desejáveis, eles constituem agora as pré-condições para a sobrevivência humana. O processo de desenvolvimento social tirou-os de uma dimensão ético-subjetiva para uma dimensão objetiva. 
   A essência da mensagem reconstrutiva da Ecologia pode ser resumida na palavra "diversidade". Na visão ecológica, o equilíbrio e a harmonia na natureza, na sociedade e, por inferência, no comportamento, é alcançado não pela padronização mecânica, mas pelo seu oposto, a diferenciação orgânica. 
   Vamos considerar o princípio ecológico da diversidade no que se ele aplica à biologia e à agricultura. Alguns estudos demonstram claramente que a estabilidade é urna função da variedade e da diversidade: se o ambiente é simplificado e a variabilidade de espécies animais e vegetais diminui, as flutuações nas populações tornam-se marcantes, tendem a se descontrolar e a alcançar as proporções de uma peste. 
   O ambiente de um ecossistema é variado, complexo e dinâmico. As condições especiais que permitem grandes populações de uma única espécie são eventos raros. Conseguir, portanto, gerenciar adequadamente os ecossistemas deve ser o nosso objetivo. 
   Manipular de tato o ecossistema pressupõe uma enorme descentralização da agricultura. Onde for possível, a agricultura industrial deve ceder lugar à agricultura doméstica. Sem abandonar os ganhos da agricultura em larga escala e da mecanização, deve-se, contudo, cultivar a terra como se fosse um jardim. A descentralização é importante tanto para o desenvolvimento da agricultura quanto do agricultor. O motivo ecológico pressupõe a familiaridade do agricultor com o terreno que cultiva. Ele deve desenvolver sua sensibilidade para as possibilidades e necessidades do terreno, ao mesmo tempo que se torna parte orgânica do meio agrícola. Dificilmente poderemos alcançar este alto grau de sensibilidade e integração do agricultor sem reduzir a agricultura ao nível do indivíduo, das grandes fazendas industriais para as unidades de tamanho médio. 
   O mesmo raciocínio se aplica ao desenvolvimento racional dos recursos energéticos. A Revolução Industrial aumentou a quantidade de energia utilizada pelo homem, primeiro por um sistema único de energia (carvão) e mais tarde por um duplo (carvão-petróleo, ambos poluentes). No entanto, podemos aplicar os princípios ecológicos na solução do problema. Pode-se tentar restabelecer os antigos modelos regionais de uso integrado de energia baseado nos recursos locais usando um sofisticado sistema que combine a energia fornecida pelo vento, a água e o sol. 
   Essas alternativas em separado não podem solucionar os problemas ecológicos criados pelos combustíveis convencionais. Unidos, contudo, num padrão orgânico de energia desenvolvido a partir das potencialidades da região, elas podem satisfazer as necessidades de uma sociedade descentralizada. 
   Manter uma grande cidade requer imensas quantidades de carvão e petróleo. No entanto, as fontes alternativas fornecem apenas pequenas quantidades de energia para usá-las de modo efetivo, a megalópoles deve ser descentralizada e dispersa. Um novo tipo de comunidade, adaptada às características e recursos da região e com todas as amenidades da civilização industrial, deve substituir os extensos cinturões urbanos atuais. Resumindo a mensagem critica da Ecologia: a diminuição da variedade no mundo natural retira a base de sua unidade e totalidade, destruindo as forças responsáveis pelo equilíbrio e introduz uma retrogressão absoluta no desenvolvimento do mundo natural, a qual pode resultar num ambiente inadequado a formas avançadas de vida.           Resumindo a mensagem reconstrutiva: se desejamos avançar na unidade e estabilidade do mundo natural, devemos conservar e promover a variedade.  
   Como aplicar estes conceitos à teoria social? Tendo-se em mente o princípio da totalidade e do equilíbrio como produto da diversidade, a primeira coisa que chama a atenção é que tanto ecólogo como anarquista colocam uma ênfase muito grande sobre a espontaneidade. O ecólogo tende a rejeitar a noção de" poder sobre a natureza". O anarquista, por sua vez, fala em termos de espontaneidade social, dando liberdade a criatividade da pessoas. Ambos, ao seu modo, vêm a autoridade como inibidora, como um limitante à criatividade potencial dos meios social e natural. 
   Tanto o ecólogo como o anarquista vêem a diferenciação como uma medida de progresso, para ambos uma unidade sempre maior é alcançada pelo crescimento da diferenciação. Uma crescente totalidade é criada pela diversificação e aprimoramento das partes. 
   Assim corno o ecólogo busca ampliar um ecossistema e promover a livre interação entre as espécies, o anarquista busca ampliar as experiências sociais e remover as restrições ao seu desenvolvimento. O anarquismo é urna sociedade harmônica que expõe o homem aos estímulos tanto da vida agrária como urbana, da atividade física e da mental, da sensualidade não reprimida e da espiritualidade auto dirigida, da espontaneidade e da auto-disciplina etc.     Hoje,esses objetivos são vistos como mutuamente excludentes devido à própria lógica da sociedade atual -- a separação da cidade e do campo, a especialização do trabalho, a atomização do homem.
   Uma comunidade anarquista deverá aproximar-se de um ecossistema bem definido: será diversificada, equilibrada e harmônica. A procura da auto suficiência levará a um uso mais inteligente e amoroso do meio-ambiente, permitindo o contato dos indivíduos com uma vasta gama de estímulos agrícolas e industriais. O engenheiro não estará separado do solo, nem o pensador do arado ou o fazendeiro da indústria. A alternância de responsabilidades cívicas e profissionais criará uma nova matriz para o desenvolvimento individual e comunitário, evitando a hiper especialização profissional e vocacional que impediria a sociedade de alcançar seu objetivo vital: a humanização da natureza pelo técnico e a naturalização da sociedade pelo biólogo.  
  Nas comunidades ecológicas a vida social levará ao incremento da diversidade humana e natural, unidas em harmônica totalidade. Haverá uma colorida diferenciação dos grupos humanos e ecossistemas, cada um desenvolvendo suas potencialidades únicas e expondo os membros das comunidades a um leque de estímulos econômicos, culturais e comportamentais. A mentalidade que hoje organiza as diferenças entre o homem e outras formas de vida em esquemas hierárquicos e definições de "superioridade" e "inferioridade", dará lugar a uma visão ecológica da diversidade. As diferenças entre as pessoas não só serão respeitadas mas estimuladas. As relações tradicionais que opõem sujeito e objeto serão alteradas qualitativamente, o "outro" será concebido como parte individual do todo que se aprimora pela complexidade. Este sentido de unidade refletirá a harmonização dos interesses entre indivíduos e grupo, comunidade e ambiente, humanidade e natureza.